quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O paraiso das damas, de Emile Zola




Crítica/ "O Paraíso das Damas"

Émile Zola encena o mundo do consumo e do supérfluo
Livro descreve surgimento das lojas de departamento e mostra nova ordem social

MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS! 

A carne é fraca, mas a roupa é mais ainda. Essa visão do desejo como mola propulsora da sociedade moderna está no centro de um dos romances mais fascinantes do século 19, o primeiro a colocar o consumo no primeiro plano narrativo.

Publicado em livro em 1883, "O Paraíso das Damas", de Émile Zola (1840-1902), descreve o surgimento da primeira loja de departamento da história e que dá nome ao livro -ela é inspirada livremente no "Au Bon Marché", que existe até hoje nos números 22 e 24 da rua de Sèvres, em Paris.
Entre frufrus dos vestidos das madames e a algazarra de um mercado persa, "O Paraíso das Damas" cria um universo novo de tecidos, cores, texturas vindos de toda parte do mundo, criados e desfeitos ao sabor do capricho de cada estação.



O mundo volátil do desejo e do supérfluo encontra sua primeira representação na história da literatura. Claro que antes houve Baudelaire, que definiu a modernidade como a combinação do efêmero e do perene, onde a moda ocuparia um lugar especial.

Vitrines de Zola

Mas, em Émile Zola, não se trata de especulação, mas de pura representação: em cada vitrine, em cada balcão, em cada prateleira de "O Paraíso das Damas", reencena-se, a todo o tempo, o grande palco da vaidade humana.

Seu fio condutor é a típica história de amor derivada do gênero mais popular do século 19: o romance de folhetim.

Denise, a humilde órfã que chega à cintilante capital em busca de sustento para si e para o irmãozinho, em pouco tempo se torna balconista da maior sensação da Paris de então. Logo desperta o interesse do patrão, Mouret, jovem ambicioso e dominador. Aos poucos, sua candura e dignidade amolecem o coração do jovem e, juntos, enfrentarão as contingências de renda e classe.

Vida injusta

Sabe-se que um escritor como Flaubert fez picadinho, em "Madame Bovary" (1857), desse clássico entrecho folhetinesco. Mas não era esse o objetivo de Zola. Mais que a busca do "mot juste", Zola sempre perseguiu a "vida injusta", sub-representada pela afirmação política, econômica e social da burguesia parisiense da segunda metade do século 19.

Isso se vê em obras clássicas como "Germinal", sobre a vida dos mineiros de carvão, ou ainda, "Nana" e, claro, "O Paraíso das Damas".

Pois a força de sua narrativa não vem da precisão obsessiva e quase árida que existe em Flaubert, mas, ao contrário, da exuberância das longas frases e de descrições cumulativas que hoje se poderiam chamar de barroquizantes.

Nova ordem

Aqui, em vez dos mineiros enterrados no norte da França, há a exploração das classes mais baixas emigradas do interior pobre e atraídas pela concentração de capitais da tardia revolução industrial francesa.

Ao mesmo tempo, o romance também traça o surgimento do grande comércio impessoal, que devorava, com os "dentes de ferro de suas engrenagens", o pequeno comércio de rua -as "boutiques" familiares e descapitalizadas.

E, na grande cidade, bairros inteiros de Paris vinham abaixo para dar espaço aos amplos bulevares concebidos pelo barão de Haussmann.

Como síntese dessas linhas de força concentradas em Paris, paira O Paraíso das Damas, "uma capela construída ao culto das graças da mulher".

Assim, no momento em que a sociedade de consumo apenas despontava no horizonte, Zola anteviu com precisão a nova ordem, descrita nas palavras de Mouret: "Eu tenho a mulher, pouco me importa o resto". 

O PARAÍSO DAS DAMAS
Autor: Émile Zola
Tradução: Joana Canêdo
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 59 (498 págs.)
Avaliação: ótimo



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