Em coletânea é possível ver que autora escapou de modismos, foi sempre fiel a si mesma e divergente
por MARCELINO FREIRE
A estreante Aline Bei, por exemplo, é um sucesso. Seu romance “O Peso do Pássaro Morto” tem voado alto. Ganhou prêmio e a autora vive batalhando por sua obra face a face. Já vendeu mais de três mil exemplares nesse esquema. Não encalha.
Jarid Arraes é outra responsável pela falência das megastores. A escritora cearense tem o próprio selo, chamado Ferina, e criou o Clube da Escrita para Mulheres. Não faltam seguidoras. Qual o segredo? Dizem que tem a ver com o lugar de fala. Sei não. Mais fácil, neste caso, talvez seja discorrer sobre a estrutura da bolha de sabão.
A verdade é que este ano foi o ano das mulheres. No Jabuti, no Prêmio São Paulo, no Oceanos, é só reparar na lista: Carol Bensimon, Maria Fernanda Elias Maglio, Ana Paula Maia, Cristina Judar, Marília Garcia etc. É muita gente se movimentando.
A Companhia das Letras, editora dessa edição especial com as histórias de Lygia, inclusive está pensando em seguir o “case” da periferia e ir, com os livros, aonde o povo está. Quer montar uns pontos de venda. A saída é não dormir no ponto.
Abri assim esses longos parênteses só para destacar o fenômeno: esse, o de Lygia voltar renovada à trilha que ela mesma inaugurou. Ela e Clarice Lispector e Hilda Hilst. No posfácio, assinado por Walnice Nogueira Galvão, a ensaísta e crítica literária bem assinalou: são 80 anos de produção contínua.
Não é para todo mundo. E a atualidade desta produção então? Quando sai uma coletânea de uma grande escritora, é natural visitar o conjunto da obra a partir de uma leitura dos novos tempos. Juro que pensei sobre os negros, negras, gays, lésbicas e simpatizantes. Tive a curiosidade de conferir de que forma cada qual aparecia nas narrativas. Felizmente desisti. De que valeria? Walnice afirma idem, com precisão, o quanto Lygia escapou de modismos e foi sempre fiel a si mesma. E divergente. Aliás, um dos grandes contos brasileiros, de temática LGBT+, é dela: “Uma Branca Sombra Pálida”. É ler e querer sair de casa, transformado(a).
Lygia corrói qualquer tradição, família e propriedade. Essa fama de “grande dama” é injusta. E preconceituosa. Sua linguagem se desdobra em muitas. E segue fundo. Qualquer conto que se leia, de cara, nas primeiras linhas já sabemos que a narradora é invejosa. Ressentida, vingativa. Ou muito mais do que culpada, vítima. É só reouvir a fala doída do conto “A Confissão de Leontina” e pensar sobre os abusos vigentes. Aproveitando para peitar, de frente, quem tem a cara de pau de achar que violência contra a mulher é só mimimi. Já perdi minha santa paciência! Dá vontade de tascar o volume de quase 800 páginas na cabeça de tudo que é machista. Perdão pela ofensiva. Mas Lygia é porrada. Repito: mesmo que a vejam herdeira de uma elegância clássica, é só aparência. Se Clarice era selvagem, se Hilda pornográfica, Lygia é a soma das duas amigas. E das dezenas de mulheres que vemos pular de cada página. Literatura viva e corrosiva, que valerá sempre a pena. Corra para garantir seu exemplar.
Pertinho de você, quem diria, já nos melhores pontos de venda.
FONTE
folha AQUI
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